O programa é apresentado pela Neide Duarte que corre o Brasil falando do Brasil que dá certo e do Brasil que deve mudar, existe a dura realidade nas filmagens mas não sem ter um toque poético no texto.
Uma vez, assistindo a um programa, teve um episódio sobre Favela em SP. Adorei. Aí vai o texto que é falado pela jornalista logo no começo do programa, é realmente lindo.
CARTA PARA LUCAS
Quando você, Lucas, não for mais este menino que nos segue pela favela.
Quando voce não for mais este menino que nos segue em silêncio, pra espiar a câmera da televisão.
Quando você, Lucas, não for mais este menino...
Caminhávamos.
Sujei a minha blusa preta no cal da parede de uma casa, você correu pra limpar as minhas costas.
Foi aí, foi só aí que me dei conta da tua presença.
Eram tantas crianças misturadas na rua da favela e você era só mais um menino.
Mas você era o único que nos seguia determinado.
Querendo que você voltasse pra sua casa, o Tião te dizia: "Você não sabe onde é sua casa..."
E você respondia: "Eu sabo..."
E a sua casa foi ficando longe, resolvemos filmar, fotografar a rua inteira da favela, e a sua mãe foi ficando longe em algum lugar sem resposta, num barraco perdido qualquer.
Será que você tem irmãos, será que sua mãe trabalha fora? Será que você está sozinho cuidando de tudo e saiu atrás de nós, como saem os meninos atrás do circo?
Você não sabe voltar pra sua casa... "eu sabo"...
Se não te pergunto sobre a tua vida, Lucas, é porque não posso saber mais do que já sei.
Se não te pergunto porque você nos segue, é porque não posso ouvir a tua resposta, ainda que você nada diga.
Quando chegamos no fim da rua, te abracei bem forte.
Você não disse nada, nem eu.
Foi só aí que você se deu conta que aquele era o fim do caminho.
Foi só aí que você se deu conta que o teu destino era voltar para a favela.
O nosso era ir embora dali, depois de mais uma reportagem na periferia de São Paulo.
E você ficou parado, olhando pra nós, sem ir embora, esperando um sinal qualquer pra correr ao nosso encontro.
Não esboçamos nenhum gesto. Ainda assim você esperou, quieto, enquanto nos afastávamos.
Como fazem os cães que nos seguem pela rua, até que finalmente compreendem que é inútil nos seguir.
Neide Duarte
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