abril 20, 2007

Pessoa...

Considero Pessoa um dos melhores por achar que ele é um poeta da dor da alma. Não que minha alma seja cheia de dores, mas lendo a dor dos outros, e principalmente as dele, entro em contato com a fraqueza alheia, tento entender então (e muitas vezes em vão) as motivações, conceitos e justificativas outras, necessárias ou arbitrárias no viver de cada um.

O que mais me acolhe é o ter ao alcance de minhas mãos um livro de cabeceira, Pessoa. Leio um de seus escritos, penso, e fecho os olhos, apago.

É quase uma experiência surreal, imagino o café que ele se encontra sentado, o banco de rua, a praça, a calçada, o chapéu... Pessoa... que se chama Fernando.

(Fernando nome do meu primeiro namorado, boas lembranças)


...



O Livro do Desassossego


Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.

Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa. O onanista é abjecto, mas, em exacta verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.

As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio acto em que nos conhecemos, nos desconhecemos.

Dizem os dois «amo-te» ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, uma vida diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstracta de impressões que constitui a actividade da alma.

Estou hoje lúcido como se não existisse. Meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir. E estas considerações, que formo e abandono, não nasceram de coisa alguma, pelo menos, que me esteja na plateia da consciência. Talvez aquela desilusão do caixeiro de praça com a rapariga que tinha, talvez qualquer frase lida nos casos amorosos que os jornais transcrevem dos estrangeiros, talvez até uma vaga máscara que trago comigo e não me explico fisicamente...

Disse mal o escoliasta de Virgílio. É de compreender que sobretudo nos cansamos. Viver é não pensar.

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