O amor bate a porta, mas até quando ele insistirá se a gente não abrir?
Depois de tantas portas abertas em vão, finalmente decido não abrir a porta. Simplesmente entenda, quero um pouco de privacidade por favor.
Mas de repente apareceu alguém, que passou direto pelo porteiro que não anunciou a sua chegada pelo interfone, é um visitante inesperado, ele se encontra nesse momento no hall do elevador, toca a campainha e insiste, algo em mim diz pra não atender, pra que afinal abrir a porta para mais alguém? Como saber se vale ou não a pena?
Medo?
Pode ser, mas prefiro pensar que é precaução.
Depois te abrir a porta pra tanta gente, sucessivamente ao longo de tantos anos, alguns chegaram até a sala, se sentaram no sofá, tiveram um comportamento formal, e depois foram embora ficaram tão pouco tempo que não deu nem pra sentir tanta falta assim...
Porém outros pediram pra ir ao banheiro, olharam os meus cremes e perfumes em cima da pia. Era minha intimidade ali exposta. Os cheiros que disfarçam meus odores, as preocupações com as rugas que ainda não existem, as celulites e outras agruras femininas modernas todas colocadas em potes de plástico e letras garrafais, prometendo os milagres que todas nós fingimos que acreditamos.
E poucos chegaram a meu convite ao lugar mais íntimo da casa: o quarto. Entraram, sentaram na minha cama, na pontinha mesmo. Outros tomaram a liberdade de deitar, sentiram o toque do meu lençol, a maciez do meu travesseiro, a claridade entrando pela cortina logo pela manhã... eram noites intensas seguidas por manhãs preguiçosas.
Preguiça coletiva, espreguiçávamos... beijinhos curtos de bom dia, a primeira palavra do dia “Oi amor...” Ou então ficávamos em silêncio profundo, sentíamos o toque do corpo do outro, meio que como uma provocação, enfim estávamos dentro um do outro outra vez. Idas e vindas, suores, cheiros, pêlos, línguas, mãos e abraços. Nada era dito, não precisava.
Mas daí, depois de tanto, iam embora, a meu pedido ou não. Às vezes, desejo deles de largar a casa. Aquela casa que não já não mais lhes interessava, por que insistir em continuar? Calçavam os tênis e batiam a porta fechando-a atrás de si logo em seguida, apertavam o botão do elevador nervosamente, e pronto, cruzavam a portaria com a mesma pressa e determinação da chegada. Era um adeus.
Alguns meses se passam, a gente se fecha. A casa finalmente encontra-se trancada. Há tempo para limpeza, para redecorar os ambientes. Faz-se planos para o novo morador, aquelas exigências que todas as mulheres fazem, com itens e regras totalmente diferentes do último inquilino. Mais isso, menos aquilo, com tal formação... tudo um blá-blá sem propósito, porque quando menos se espera, naquele hall do elevador se encontra um novo pretendente. Um possível morador que persiste em tocar a campainha. Vou até a sala e olho pelo olho mágico, a imagem me agrada, devo abrir ou não? Merda! O medo me toma, mas acabo abrindo uma fresta, ele se aproveita e diz o que eu quero ouvir. Me conquista e entra.
Mas daí penso numa solução, abro a porta da casa, e o convido para uma conversa ali mesmo, sentados no sofá da sala. Mas antes que qualquer coisa a mais aconteça e ele queira adentrar a força meio que correndo pela casa adentro, eu fecho a porta que dá para o corredor. Sim, me sinto mais segura assim. São etapas que antecedem a intimidade. Até que ele me prove ser confiável e merecedor de chegar tão perto, como aqueles que foram até o meu quarto e não souberam dar valor a maciez do toque do meu lençol.
No fundo não quero mais um inquilino, quero um morador perene, quero dividir a casa enfim. Certa vez pensei que tivesse chegado perto, até cheguei, mas foi em vão, desistiu da casa. Desconheço suas razões, mas o vazio continua, lembro-me das manias e gostos, dos cheiros e temperos favoritos... dos hábitos... e costumes. Engraçado que ele nem sabe que chegou tão dentro da minha casa, que agora acostumada com ele tenta (em vão?) se preparar para outra possibilidade.
Pois é, vou lá fazer sala para o novo visitante quem sabe servir um chá com biscoitos, assim dará tempo para conversarmos enquanto arrumo o que sobrou do restante da casa, da minha intimidade repudiada e dos meus sonhos desfeitos.
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